Acabo de ler um livro chamado "War of Honor", uma história de ficção
científica bem típica da safra mais recente dos EUA. O livro tem várias
coisas em comum com seus contemporâneos: para começar, é gigantesco, com
cerca de 950 páginas. Além disso, também é parte de uma looonga série de
romances, nesse caso um absurdo décimo volume. Essas séries seguem uma
estratégia comercial meio aparentada à dos quadrinhos americanos:
enquanto vender, publique mais.
A série à qual este livro pertence é chamada pelo nome de sua personagem
principal, "Honor Harrington". A moça é uma oficial na frota espacial do
Reino Estelar de Manticore, uma das várias nações cósmicas que compõe o
cenário. Ao longo dos livros, ela vai subindo de posto conforme vence
batalhas praticamente impossíveis, bastante inspiradas nos combates
navais do século XVII.
No geral, as histórias são razoáveis. O autor, David Weber é partidário
de um neoliberalismo militarista que deve ser bastante popular entre os
americanos, e não consegue impedir a si mesmo de contaminar o texto com
suas essas opiniões políticas, de uma maneira bem óbvia e pouco
elegante. Normalmente, metade dos obstáculos enfrentados pela heroína
são causados por seus vis e incompetentes superiores esquerdistas e/ou
pacifistas e/ou isolacionistas. As batalhas, porém, costumam ser bem
descritas o suficiente para compensar por isto, e o modelo bastante
único por elas seguido se presta bem ao meio escrito.
Antes de ler "War of Honor", eu já havia lido os dois primeiros romances
da série, "On Basilisk Station" e "The Honor of the Queen". Não chegaram
a mudar minha vida, mas serviram para matar algumas horas de maneira
agradável. Quando eu comprei este aqui, achei que estava embarcando em
uma experiência parecida.
Infelizmente, "War of Honor" não apenas é uma pilha de fezes fumegantes
como também é insidioso. O texto em si, apesar de não ser exatamente
estelar, não é ruim o suficiente para que você atire o trambolho contra
a parede e se esqueça dele, mas muito pouca coisa realmente acontece na
história. 85% do livro constitui-se de uma interminávei sucessão de
reuniões de gabinete, que por sua vez são compostas por longos diálogos
entre ministros e generais de Manticore ou Haven (outra nação cósmica).
Dos outros 15%, 10 são outros longos diálogos entre oficiais de frota,
geralmente tendo como assunto um grupo de bolinhas que acaba de aparecer
no radar.
Não há surpresa alguma ao longo da história, pois cada novo
desenvolvimento foi extensamente discutido e planejado em uma reunião de
gabinete que ocorreu há três capítulos. Se você conseguir guardar na
memória todas as decisões alcançadas pelos 4 ou 5 gabinetes que o autor
tenta mostrar ao mesmo tempo, você pode prever tudo o que vai acontecer
na história inteira.
Tirando toda essa encheção de lingüiça, a história do livro pode ser
contada em sete parágrafos:
Manticore e Haven travavam uma guerra ferrenha até há poucos anos.
Manticore chutou Haven (que, por ser uma nação comunista, era
Maligna(TM)) como um cachorro velho usando armas avançadas, então
Haven pediu trégua. Durante a trégua, o principal Político
Incompetente e Corrupto (PIC) de Manticore é eleito Primeiro Ministro
e coloca todos os seus amiguinhos PICs em posições de poder. Haven
passa por uma revolução e vira uma República.
Os PICs de Manticore enrolam as negociações de paz para aproveitar as
medidas econômicas de guerra por mais tempo, e roubar mais. Haven
(que agora é uma nação boazinha) não gosta e desenvolve suas próprias
armas avançadas para caso seja necessário voltar à guerra.
Um político Maligno e Corrupto (PMC) quer se aproveitar dos primeiros
passos republicanos de Haven para ganhar poder, e começa a manipular
a correspondência diplomática entre as duas nações para aumentar a
ameaça de guerra, achando que o novo governo de Haven vai dar pra
trás na hora H e ser deposto pela população irada, colocando o PMC no
lugar.
Depois de muito vaivém, os ânimos esquentam além do ponto de
ebulição, e ao invés de dar pra trás, Haven lança um ataque muito bem
planejado contra Manticore, e retoma praticamente todo o território
que havia perdido durante a guerra. O PMC não esperava por isso,
rapidamente apaga todas as provas de seus crimes para salvar a
própria pele.
Os PICs entram em pânico e sofrem vários fins inglórios por causa da
guerra, que ia contra todos os seus planos. Eles são substituídos por
Políticos Bonzinhos e Honestos (PBHs).
Como os PICs haviam acabado com boa parte dos recursos bélicos de
Manticore para poder roubar mais, as duas nações voltaram a ficar
mais ou menos em pé de igualdade. A guerra volta com tudo e as duas
nações estão se odiando mais do que nunca por causa das manipulações
dos PMCs.
Fim. Continua no próximo calhamaço.
Dá pra notar que a própria Honor Harrington não é mencionada nenhuma vez
no resumo acima, certo? Isso é porque ela não tem quase nenhuma
influência na história. Neste décimo volume, ela já é Almirante, Duquesa
e PBH, e sofre um pouco no começo quando os PICs soltam uns boatos de
que ela estava tendo um caso com outro Almirante PBH. Depois que o
escândalo passa, ela aceita um posto de comando em uma região
completamente afastada das intrigas que compõem a maior parte do livro
para esfriar a cabeça.
Sempre que ela aparece depois desse momento (que acontece um pouco antes
da metade do livro), dá a impressão de que as coisas vão ficar um pouco
mais interessantes, mas todos os problemas são resolvidos em um total de
dois capítulos (o livro tem 52), através de seu gênio sobre-humano e da
proteção do autor. No final, todas as cenas onde ela aparece são
completamente irrelevantes.
Se você estiver pensando em comprar este livro, fique longe e apenas
olhe o resumo acima, que realmente conta tudo o que você precisa saber
sobre a história. Se realmente quiser conhecer a série Honor Harrington,
passe na Baen Free Library e leia os livros que estão lá. De forma
geral, os eventos importantes de cada um dos dois primeiros livros cabem
em resumos ainda menores que o que foi dado aqui, mas pelo menos as
batalhas são melhores e mais bem descritas.
domingo, janeiro 04, 2004
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